O ruído contínuo parecia uma estação de rádio fora de sintonia e denunciava o interfone fora do gancho, enquanto o início da noite exalava excitação e as sombras dos beirais eram insuficientes para acobertarem o desejo latente. A lembrança sobre a música de seu corpo andando, seu cheiro e a cor do seu cabelo, veio instantaneamente. Parou de perfil, olhando o fim da rua vazia, mordeu o lábio inferior e devaneou. Desciam do ônibus juntos e apertavam os passos ao limite, evitando escancarar um cooper ou entregar uma concorrência velada e paradoxal, pois o interesse mútuo era estar próximo, mas o pudor distanciava-os. Num dia um e, noutro dia, outro. Nas primeiras vezes existiu a preocupação em fazer caminhos diferentes que, estrategicamente, sempre acabavam se encontrando; depois o desejo suprimiu o cuidado e, então, surgiu a “marcha atlética”. Agora, aquele ruído o despertava. Decidiu consumar. Apertou sua chave nas mãos, olhou para o porteiro chiando e entrou. Encontrou-a nua e exausta.
Alex Pinheiro
*Parte de um projeto-sonho; meu livro.