Glória guardava sua luva
já suja
Dum sujo vermelho
de um vermelho sujo
Úmido e aguado
Coloração amarga
das guerras mal amadas
Glória guardava sua luva
Numa caixa escura
em um armário sujo
De manchado mogno
Dum mogno manchado
Envelhecido e sombrio
Arranjo medonho
de feiras de antiguidade
Glória já voltara tarde,
no entardecer dum dia,
Duma de suas noites frias
Havia apunhalado a vida
e encaixotado o óbvio
Glória usava vestido longo
Já velho
Dum velho verde
de um verde velho
Caindo aos ombros
Uma seda fina
que findava no ventre
E inspirava uma mulher doce
mas doce algum Glória trazia no ventre
Glória guardava coisas
das coisas como elas são
Guardava devoção inútil
Guardava compromisso fiel
Glória guardava mágoas,
Guardava tempo perdido,
Guardava tampas de vidro,
Guardava versos antigos,
Guardava potes de margarina.
E de guardar coisas
Glória esqueceu de se guardar.