O crime do alfinete

É preciso entender que existem vários tipos de alfinetes. De simples adornos a conselheiros melancólicos em obra de Machado de Assis, até aqueles que levam para pregar avisos de mural ou mapas amarelados em escolas públicas. Caso é que não se trata de um artefato com ações concorridas na bolsa de valores e está tão útil quanto a máquina de escrever nos dias nossos de cada sopro.

“É, meu fío. Serve pra quase tudo!”. Ela diz como se não tivesse acabado de ser inquirida sobre o recente delito. Tudo aconteceu ali, às claras, em plena luz de uma dupla fluorescente…
“Quando tem um rasgo assim”, mostrava forçando uma dobra na saia, “ocê prende aí”. Explicava a importância do alfinete, justificando a relevância do artefato. “Às vêiz um cós que não tem firmeza, então prende aí”. Ali, sentada em pernas cruzadas e canelas à mostra, defendia-o como justiceiro que encontra inocência no réu. Então eram réus ela e o alfinete.

Fora arguído que em movimentos lúcidos e ágeis, subtraíra um alfinete metálico, desses para auxiliar na lida da costura. Segundo um depoente, a acusada tem esse hábito faz muito tempo. “Ela poderia fazer um colar com os alfinetes que tem”. O lesado, por sua vez, relata que tudo aconteceu num momento de sua distração, entre o som da máquina de costura e os moldes espalhados sobre a mesa.

De acordo com o depoimento colhido, a acusada, curvada em seu corpo pequeno, debruçou na mesa pegando um giz usado no traço do tecido que viraria uma saia. Enquanto rabiscava qualquer coisa no trapo, viu-se sozinha e, segundo a vítima, usou a oportunidade para subtrair a peça. Agora eram cúmplices, ela e o alfinete.

A acusada usava uma saia de malha num bege forte, sobrepondo um saiote preto. Para os desavisados, refiro-me à uma outra saia, porém de seda, usada em regime de intimidade, o qual só deveria explorar quem a mulher permitisse. Pois é nesse saiote que ela costumava pendurar alguns de seus alfinetes para eventuais ocorrências do dia.

Era incrível observar como, mesmo sob efeito de profundo cansaço e olhos de sono, ela revelava completa inocência ao fixar um dos seus alfinetes no sutiã, a fim de socorrer alguma necessidade noturna. “Quando ocê estrepa o dedo, aí usa pra tirá a ferpa”. A voz fina, porém enérgica se necessário, era usada com maestria quando precisava dramatizar ou sensibilizar alguém. Mas era também um instrumento de encanto por onde se detectava sua empolgação, por exemplo. “Quando é lustrôso é mais bão; mais bonito”, exclamou justificando sua paixão.

Dizem que, logo após o ato, ela se retirou do local e se refugiou no banheiro. Saiu alguns minutos depois, com o rosto iluminado e a pureza das crianças. Rumou para seu quarto regozijando o sucesso da empreita quando se ouviu, da mesa da copa, o grito irônico da vítima, acostumada a perder alfinetes. Só uma coisa o intrigara. A ré, desta vez, havia deixado uma marca. Com giz, em letras imaturas, escreveu sobre o trapo: Ana.