Fui lá, sem saber exatamente do que se tratava. A primeira cena me fez sentir-se no sofá de casa, vendo filme produzido pra televisão e, ainda por cima, dublado.
Embora estivesse assistindo o filme legendado, a sensação era de dublagem, não em função do idioma em si, pela razão óbvia de não ser, mas pela neurolinguística…
A entonação da voz, o volume, os cacos, as piadas… Era tudo muito ruim até ali.
“Mas, tudo bem”, pensei eu, afinal é a primeira cena e pode ser uma escolha de direção do filme. Contenho minha cansada e pedante alma para engolir frango de padaria saboreando coq au vin. O primeiro ato entregou suas cortinas e abriu outro leque de oportunidades, mas continuou ruim. Um “ruim” que quis fazer parecer coisa do Tarantino e seu humor ácido ou negro, mas não era. Era ruim mesmo.
A fotografia comum, um roteiro sem originalidade e o casting economizando talento. O Morgan Freeman já descobriu que não precisa fazer nada além de falar, pausadamente, olhando perdido, como se estivesse Conduzindo Miss Daisy. E Scarlett Johanson simplesmente releu Lara Croft, só que com bem menos esforço ou cenas para duble, afinal, usou 100% da capacidade de seu cérebro e preferiu se concentrar em fazer “carão”; nem dor precisou sentir.
No fim das contas era, definitivamente, um péssimo filme. Mas com uma filosofia incrível para fazer chegar. Em certo momento até considerei estar frente à mais uma obra deturpada pelo público, como gostou de dizer Padilha sobre seu Robocop, que teve um discurso político contemporâneo necessário em meio às explosões milionárias. Digo isso, pois, ali, impaciente na sala de cinema, vi se desdobrar uma reflexão absolutamente necessária a qual, honestamente, nunca havia me permitido pensar antes.
Quando questionada sobre o sentido da vida e suas entranhas, Lucy mostra um vídeo aos seus “súditos”, em que um carro em alta velocidade passa por uma estrada deserta. Porém, o cinegrafista não acompanhou o carro, mas fixou o enquadramento para mostrar o trajeto dele, da direita para a esquerda da tela. Então ela acelera o vídeo uma vez, depois o dobro e depois o quíntuplo, e continua acelerando até a imagem em looping ocultar o automóvel.
Aquilo foi fascinante! Era a referência que eu precisava para revelar a existência. A matéria é fruto do tempo. Quando o digerimos lentamente, mais porção de existência há nele. Por outro lado, caso ignoremos desde suas pequenas frações de segundo até o redondo de sua hora, a fatura é alta.
Lembro-me de retiro familiar em recente Natal, num lugar afastado dos centros comerciais, em que precisamos buscar água para subsistência pois o local havia superado sua ocupação usual. De cada célula experimentada, guardo gosto na porção de existência em minha memória. Tomei chuva, chupei manga na chuva, ajudei matar porco, vi o sol dormir, ouvi o caule da árvore cantar, deixei o cachorro lamber meu braço, pisei em esterco, olhei na frestinha da janela de uma “venda” e só vi álcool, macarrão, gilete e cachaça nas prateleiras; etc..
Em contrapartida, muitas outras coisas deixaram de existir para mim, pois calharam fazer parte do looping acelerado da rotina, ou ficaram abstraída pela tela de meu celular.
Levantei da poltrona do cinema certo de ter pago meu ingresso.