“Toda criança deve ganhar um cachorro na infância para, quando adulto, aprender a lidar com as mortes desta vida”, resmungou ao ver o cadáver do cão que acabara de atropelar. Já ela ficou ali, parada, com o maxilar relaxado e a brasa se aproximando do filtro do cigarro. O cheiro de água congelou seu coração. A lâmpada alaranjada do poste escureceu seus olhos. O ouvido, como que vítima da pressão externa quando descemos para o litoral, parecia estirado, a ponto de toda informação sonora ir embora para segundo plano na forma de um zunido frouxo. Naquele momento ela conseguiu perceber os cliques do mudar de cores no semáforo e a brasa do cigarro foi se desmontando como sua inocência, desfazendo-se no mesmo vento que…
assoviou sua orfandade em um outubro azedo explorado pela pior face jornalística. O asfalto, que tanto condenou por impermeabilizar a cidade e provocar a enchente que levou embora o álbum de fotos da família, deixou registrado as marcas dos pneus largos e insensíveis da noite.
Originalmente publicado na coluna “conto… ou não conto?”, no jornal Taperá, em 21/09/2013.