O dia em que o carro parou

Quando o semáforo se mostrou num verde embaçado, o carro parecia não querer. Uma buzina arrogante agrediu o pouco silêncio e foi a libertação para as outras que, tímidas, ansiavam um desabafo. Logo se generalizou e ele acabou empurrado para um canto, à margem daquele buzinaço. O capô foi aberto e permaneceu ali, vulnerável como aquela que deixou de ser moça. Ele viu primeiro uma cara larga, babando sobre seu motor, depois…
dois rostos femininos ladeados pela cara larga, que saiu bufando. Os rostos femininos se fitaram de soslaio, fizeram qualquer gesto e também se foram. Enquanto exposto preferiu lembranças de temperaturas de asfaltos, de terras úmidas, de chuva quando tímida ou soberana. Mas um novo rosto, carrancudo, interrompeu seu deleite e fez penetrar as mãos, violando com estupidez; olhou para o outro, que se aproximava, fez um aceno seguido de uma gargalhada suja e fechou o capô. Tudo voltou a ser escuro mais uma vez, sentiu um novo calor mas, agora, decidira não sair mais dali.

*Originalmente publicado na coluna “conto… ou não conto?”, do jornal Taperá, em 24/08/2013.