O interfone fora do gancho produzia, para quem passava na calçada, um ruído contínuo feito estação de rádio fora do ar. Aquele início de noite exalava excitação e as sombras dos beirais eram insuficientes para acobertarem o desejo latente. A lembrança sobre a música do corpo dela, seu cheiro e a cor do seu cabelo, vieram instantaneamente. Parado ao lado daquele chiado lembrou que…
desciam do mesmo ônibus juntos, há mais de dez anos, e apertavam os passos ao limite. Não se conheciam e não assumiam, mas aquilo era uma corrida paradoxal, pois na verdade o interesse mútuo era estarem próximos. Mas o pudor distanciava-os. Nas primeiras vezes fizeram caminhos diferentes que, estrategicamente, sempre acabavam se encontrando. Depois o desejo suprimiu o cuidado e, então, surgiu a “marcha atlética”. Agora, aquele ruído o despertara. Decidira consumar. Apertou suas chaves nas mãos, olhou para o porteiro chiando e bateu no portão. Uma vizinha grita, do outro lado da rua: “Não mora mais ninguém aí”.
*Originalmente publicado na coluna “conto… ou não conto?”, no jornal Taperá, em 17/08/2013