O aniversário do meu pai

Meu pai fez aniversário. Sempre fui um idiota para datas,,, nunca as guardei. Tenho, talvez, somente uma dezena de datas guardadas na memória e, de longe, são por importância. São, na maioria, datas tão idiotas quanto eu.
Depois de 10 dias arrancando, com os dedos, ervas daninhas entre paralelepípedos; alguns lavando banheiro com o piso mais irregular que já vi, e nunca dava pra secar com o rodo; depois de varrer um pátio aberto e enorme, sozinho, sob a pena de um vento que só quem acampa em Itu conhece; não sei o dia em que saí livre do quartel, por exemplo, e foi uma das melhores datas da minha vida.
Não sei o dia em que meu pai deu um murro na geladeira pra não me bater, mas foi ali que virei Homem. Nunca vou saber quando dei meu primeiro beijo; a data, realmente, nunca me atraiu.
Sou um geógrafo das minhas memórias. Hierarquizo tudo com excelência. Sou temido pela facilidade com que guardo eventos e, principalmente, por conseguir
trazer à tona em momentos surpreendentes. Mas aquela merda de numeral embaixo das iniciais dos “dias da semana” já me colocaram em situações cabeludas.
Na ânsia de uma fila para preencher um cadastro inútil, depois de algumas horas finalmente chega a minha vez e a moça me diz: “Nome”. “Alex Pinheiro”. “Nascimento”. “…”. Eu havia esquecido. Depois de uns 3 perturbadores segundos recorri ao meu RG, que já estava em mãos, pra informar com segurança. Provavelmente esse comportamento não me ajudaria em defesa da minha inocência numa delegacia de cidade pequena.
Aí fui trabalhar. Cheguei em casa cansado, mas tinha energia para gastar todo um latim explicando meu portfólio pro meu irmão. E, igual anúncio de resultado da Tele Sena, meu pai me dizia: “Ô Lekão, tem um pedaço de bolo guardado pra você lá na geladeira”. “Então, compraram um bolo aí; a mãe guardou um pedaço pra você lá na geladeira”. “O bolo tá um pouco molhado demais, mas tá bom. Guardei um pedaço pra você lá na geladeira”.
Depois de horas fui à geladeira, peguei o bolo e comi assistindo Café Filosófico com Zuza Homem de Mello, Fernando Brant e Ronaldo Bastos. Doce em excesso, com bastante glacê e chocolate branco na cobertura. Não era um bolo comum. Era um bolo de aniversário. Aniversário de meu pai. Não me arrependo de ter esquecido a data, mas fico triste de não ter comido o bolo na frente dele. Fiquei triste de não ter podido reclamar do bolo junto com ele; perdi uma memória agradável para gerar uma estranha.
Por isso detesto os números. Por isso ignoro “datas especiais”; elas me vulnerabilizam.
A meu pai, minha conduta.