“Toda criança deve ganhar um cachorro na primeira infância para, na adolescência, aprender a lidar com as mortes desta vida”, disse, deu meia volta, virou a esquina e sumiu. Ela ficou ali, estática, com o maxilar relaxado e a brasa se aproximando do filtro do cigarro. O cheiro de água congelou seu coração. A alaranjada lâmpada do poste escureceu seus olhos. O ouvido, como que vítima da pressão externa quando descemos para a praia, parecia estirado, a ponto de toda informação sonora ser passada para segundo plano na forma de um zunido oco. Naquele momento ela conseguiu perceber os cliques do mudar de cores no semáforo e a brasa do cigarro foi se desmontando como sua inocência, desfazendo-se no mesmo vento que assobiou sua orfandade num outubro azedo explorado pela pior face do jornalismo. O asfalto que tanto condenou por impermeabilizar a cidade e provocar a enchente que levou embora o álbum de fotos da família, serviu para deixar registrada as marcas dos pneus largos e ágeis da noite.
Alex Pinheiro
*Parte de um projeto-sonho; meu livro.