A cama alta forçava-o numa posição desconfortável se quisesse tocar o chão com os pés calçados em meia pra dias frios. Com o tronco voltado para a janela ele desfaz, delicadamente e com o semblante caído, um laço notoriamente antigo de uma sacolinha plástica. Uma foto impressa em preto e branco numa folha sulfite arregaça-lhe a alma em sorriso contido; uma mistura de resignação e saudade. Lembrança azeda sobretudo do descontrole de outrora, das noites iluminadas pelo Strobo da balada, das manhãs de domingo alimentadas por pastéis de feira e gente sem pecado.
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Outro ser habitava-o agora. Ele tem medo de voltar. Quer ser o agora sem perder a graça do antigo, mas o condado parece pequeno e agradável. “Esse apito cada um tinha um. A gente saía com eles pra fervê!”. O apito está amarrado num cordão embaraçado e sem fôlego; preso ao conformismo, ao confortável, ao cru.
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A sacolinha plástica revela-se um guardião enquanto é assaltada por um avesso que a deixa vazia. Espalha-se sobre a cama, a vida inteira em meia dúzia de objetos desconexos, conectados subliminarmente. Um ponto final a cada novo parágrafo questionava-o sobre outras escolhas. Outrossim, os caminhos interrogam comparando seus dias frios em praça pública ao exílio quixotesco. O retorno pra casa de ninguém. O voltar pra lugar algum. Na cama, feita colchão ortopédico, jaz a anistia rústica de um menino suave para, fora da sacolinha plástica de mercadinho provinciano, inspirar de medo, inércia e antolhos, um Homem.