a louca-I

Em dia de pouco sol, muito vento e exagerado calor, Sueli ocupava espaço entre dois falsos coqueiros. Sentada sobre pernas gordas e cansadas ouvia, taciturna, o som que o vento fazia na água corrente próxima aos seus pés. Era uma água lenta, fria, mórbida e áspera. Era uma água cansada, ofegada dos entraves com rochas rústicas e inflexíveis. Sueli tinha bem pouco de uma pessoa equilibrada, mas aqueles dias proporcionavam além de uma calmaria mental. Aqueles dias estavam diretamente relacionados com o alinhamento das boas energias, com a luta emocional, o crédito em si. Sem mais reflexões ela decide uma direção outrora inconcebível. Ela decide uma distância mais longa, um caminhar mais rápido e outro tanto de certeza. Levanta-se bruscamente quase ensaiando um tímido salto, mas os pés saem poucos milímetros do chão enquanto, alma adentro, existiu um pulo felino.– Boa tarde… Vâmo entrá?! Já vai iscurecê… O pessoal todo já foi. Vâmo?!O mundo tem tido pouca educação mesmo! Quem é essa velha, magrela e de voz rouca?! Que cabelo horrível… Ela acha que está na Inglaterra monárquica.Sueli ri baixo, contida e torcendo o pé direito com incômodo. Um calçado sujo não lhe saía o pé desde o último aniversário. Foi um aniversário curto, mas suficiente. Teve muita gente, muito riso, muita música e um bolo de cenoura com cobertura de chocolate, pequeno é verdade, mas deveras saboroso.– Viu, num posso mais ti isperá! Logo o Olavo passa no pátio todo e aí cê já sabe né?!Porque essa mulher está falando com pouca voz agora, como se estivéssemos ilegais?! Certa vez roubei Tazo numa merceariazinha e foi impossível emitir um sonido que fosse. O silêncio é fundamental para o sucesso de um furto ou outra atitude ilícita qualquer. Para o golpe perfeito até a alma deve estar em silêncio. Silêncio! Psiu! Silêncio!– Agora num posso brincá, nina… Vâmo entrá, por favor!.A velha magrela parece estar encabulada e cansada. Sueli rabisca outro riso contido voltando a sentar e ignorando aquela perturbação insistente. Puxa o vestido fazendo cobrir os joelhos numa condução até as canelas. Pousa o queixo sobre o vale que os joelhos desenharam e se põe a ver novamente o caminho sem volta que a água fazia. Era uma água rápida, insensata, ríspida e enjoada. Uma água que a fez lembrar de parquinhos públicos com o gira-gira quebrado, e essa nostalgia gerou relevante desconforto em Sueli a ponto de abandonar profunda meditação pra observar aquela senhora de numerosa idade que agora vinha em sua direção, com cabelo curto e fora de moda, roupa branca, crescendo o rosto e a voz num piparote. Sueli, abortada de um devaneio desagradável se assusta com a indagação agressiva, de voz rouca e alta:.continua no próximo post