Estavam todos os ingredientes cansados sobre a pia suja de louça do domingo. As cebolinhas já iam murchas e a noite, provocativa como eram os olhos da lua lá fora, levitou-a para os festejos de São João da pequena vila em que cresceu, com batata doce assando na brasa da fogueira e rodas de viola. Mas o fogão aceso interrompeu o dilúvio de suas lembranças para…
entregar-lhe uma frigideira gritando bolinhas de óleo que subiam até a superfície, inchavam e explodiam; a cada estampido, seu olho piscava. Em pouco tempo já era uma sinfonia musicando todas as bolhas quentes simultaneamente, atrapalhando sua percepção do gira-gira enferrujado no parque; do choque das gangorras no chão; do balanço gemendo o atrito da argola de aço ao eixo que sustentava uivos e sorrisos… Mergulhou na panela a primeira batata em forma de palito e a algazarra foi ensurdecedora. Até tentou retornar às lembranças da infância, mas as pisadas densas e estúpidas na escada que traziam à cozinha, exigiam batatas fritas.
*Originalmente publicado na coluna “conto… ou não conto?”, do jornal Taperá, em 13 de julho de 2013.