Há muito existe um mix de estranhamento e admiração entre o criador e sua criação. Desde os hubs coloridos do Vale do Silício até os sóbrios laboratórios das universidades brasileiras, os desafios são os mesmos do Dr Frankenstein e do vovô Gepeto.
A nossa essência e estrutura socioeconômica patrocina e premia inovação. E lá vamos nós criando, criando e criando. Depois jogamos tudo no colo dos filósofos e pensadores contemporâneos, que fermentam o diagnóstico de psicanalistas logo aí à frente. Mas, essencialmente, o que estamos fazendo?
Quando o Napster surgiu, em 1999, foi um auê. Qualquer um com internet acessava a rede P2P (Peer-to-peer) criada por Shawn Fanning e Sean Parker e, a partir dali, virava servidor e também usuário. Ou seja, a pessoa acessava o computador de outras pessoas, assim como qualquer pessoa poderia acessar o seu computador também, grosseiramente falando.
Essa lógica permitiu o compartilhamento de músicas entre as pessoas. E muita gente usava caso não tivesse dinheiro para comprar o CD do Metallica, ou fosse só amante da subversão adolescente mesmo.
Já era o século XXI, mas o controle do capital estava nas mãos de reacionários então, claro que teve um bilionário e polêmico processo de demonização do Napster, levando o debate para o mundo todo com toda forma de pensamento surgindo.
Hoje, Lars Ulrich, baterista e cofundador do Metallica, deve ter vergonha de ter sido o garoto propaganda dessa investida contra a tecnologia, mas sua razão era genuína, assim como os trilhões de plays nos streamings atualmente ou a 5ª posição no ranking das bandas mais ouvidas no Spotify em 2023.
Quem viu a música ir do CD para o streaming pode não ter observado mas, essencialmente, a música era o principal ativo econômico da relação. E, para ela existir, continua dependendo, tal qual antigamente, de quem a componha, interprete e difunda.
Antes as pessoas cagavam lendo jornal, hoje levam o celular para o banheiro, mas o ativo econômico principal dessa relação é a informação. Quem percebeu isso rápido, manteve jornalistas na folha de pagamento, mas mudou o meio de difusão da informação, deixando as gigantescas máquinas impressão de lado e investindo nos big servidores seguros em nuvem. Quem não percebeu, faliu.
Somos nós criando e depois nos assustando com o que criamos. Mas, com inteligência, autoconhecimento e trabalhando em coletivo, podemos fazer algo poderoso. Note, por exemplo, a legislação na União Europeia que obrigou o TikTok a remover o algoritmo de sugestões “For you” caso a pessoa não queira, ou ainda a proibição de anúncios baseados em dados de navegação para pessoas com até 17 anos.
Agora nós estamos produzindo “assistentes de IA generativa”, mas qual a diferença delas para a escravidão humana criada desde os princípios de nossas organizações sociais?
Antes, os trabalhos sujos pré-saneamento levando os cestos de fezes e urina do senhorio até o rio, ou os deslocamentos sobre-humanos de rochas para construir cidades, eram feitos por escravos. Hoje, são as rotinas ordinárias para organizar documentos, preencher planilhas, prever rotas, etc..
Depurando toda a história de escravizar, que foi e continua sendo abjeta, o que sobra? Qual o principal ativo da relação econômica entre Genghis Khan e seus escravos? O que queriam os bandeirantes irmãos Fernandes, além de território? O que queremos nós, essencialmente, criando e alimentando a Inteligência Artificial?
Ela se tornará senciente? Sim. Isso deve mudar nossa forma de pensar sobre ela? Sim, podemos até chorar como quem chorou vendo o filme de Steven Spielberg. Teremos problemas? Sim, por isso é tão importante entendermos que somos muito melhores sendo humanos, perecíveis e fluídos. Mas nem tão humanos assim e sensíveis a ponto de cairmos no Teste de Turing; aquele lá em que a máquina vai te fazer pensar que é humana e lhe pregar uma peça. Cuidado! Ops, caí…
No mais recente dia 25, com muito humor e provocação, tive a oportunidade de conversar com uma galera sobre a substituição das atividades ordinárias na rotina contábil, fiscal e de negócios, durante palestra na Academia Classe A, um evento promovido pela Classe A Contabilidade em Campinas… hoje esse vídeo do Gerd Leonhard caiu na minha rede: