
Permitiu-se cair no devaneio depois de checar seus olhos fechados e sua boca entreaberta. A brisa leve da noite, entrando pela janela, trazia-lhe sonho merecido, sem inquietações ou espasmos. Então, como criança que se joga na grama do jardim, ele se debruçou sobre a cama para ver mais de perto sua recente tatuagem e, ingênuo, balbuciou involuntariamente: “Parece até anjo caído…”. Com a língua já salobra do fim da noite, não podia negar a vontade de lamber aquela curva suave em sua cintura, sentindo cada letra do poema tatuado; por ali um escuro sombrio corria sutil o caminho sensual de cada palavra cravejada naquela pele branquinha, subindo e descendo sem ruptura, como se fosse uma montanha russa. Havia poesia para além do filme ali versado. Havia uma delicadeza no traço que acabou aprisionando-lhe feito um labirinto sedutor. Hipnotizado, e vítima da pouca luz alaranjada que vinha dos postes lá de fora, ele nem se deu conta que a boca se aproximara, melando seus lábios com bepantol.
*Escrito em 28 de janeiro de 2015