As nossas vidas estão às voltas com enigmas. Adoramos as charadas. Respiramos enigmas. Somos a parcela dos seres vivos que cria jogos e dificuldades com maestria sem tamanho. Somos, na cadeia evolutiva do seres, o mais inventivo. Nesses jogos todos de atitude social, hábitos e idéias que inventamos alguns acabam desenvolvendo observatórios humanos. Sou desses. Desses que riem de si. Desses que riem dos outros. Desses que observam sem pagar nada na eterna falta do que fazer..O mais popular dos enigmas: a morte. A morte e sua brevidade, seus encantos, sua escuridão, suas flores e seu arauto. Compreende o núcleo dos enigmas mais complexos da existência e está inserido em outro estado de questionamento humano: o enigma da espera. Estaríamos o tempo todo esperando a morte?! Sei que aprendi muito esperando. Aprendi a gostar das revistas de casa e decoração. Esperando eu descobri que tinha um dente a mais do lado direito, na arcada inferior. Esperando eu apurei o gosto por observar outro ser humano e reparar sempre a distância que vai do “sininho” da orelha até a ponta do nariz. Esperando eu percebi que herdei hábito corporal familiar de repousar sobre um joelho a canela da outra perna. Esperando foi que vi pela primeira vez o tamanho da minha língua e constatei que ela não era grande o suficiente pra eu vê-la com facilidade, sem espelho. Esperando em cadeira de recepção eu vi que meus dedos ficaram preto-sujo depois que folheei jornal. Foi numa dessas esperas intermináveis que comecei a contar pisos, riscos, folhas; a trançar dedos apertando-os até a completa vermelhidão. Esperar me emagrece! Eu estava sentado em cadeira de recepção e aguardava chegada de alguém que já se encontrava no recinto e me deparei com a capacidade incrível que a espera tem de revelar características obscuras de quem o faz esperar; e nesse aguardar eu descobri também a habilidade para ensinar desenhos em perspectiva ao garoto recepcionista. Emagreça-me se for capaz!.O enigma da espera é com certeza dos mais irritantes e sobre certo ângulo, divertido. Mas tem dessas charadas da vida humana que despertam outro pedaço de sentimento perturbador: o enigma da chegada. Chegar a algum lugar é sempre uma sensação diferente e até certo ponto desagradável. Chegando a uma festa quase sempre não sei onde pôr as mãos, elas perdem total significado nesse espaço de tempo em que me adapto ao ambiente. Chegando a algum lugar desconhecido desenvolvemos a percepção dos sentidos e principalmente do tato, não há lugar que eu não manifeste impulso incontrolável de tocar e acabei por entender a razão das cordinhas limitando aproximação de exposições em geral. Chegando eu conheci meu medo sobre o que as pessoas dizem, aí então desenvolvi técnica de leitura labial. Foi chegando a uma festa que apreciei a sensação de ser centro das atenções. Na mesma festa eu descobri que a sensação de ser centro das atenções tem o preço do constrangimento e da tolice. Por qual dos motivos plausíveis alguém estaria falando de mim senão os meus motivos imaginários, psíquicos e tolos?! Chegando eu descobri que ir embora era sempre muito mais fácil, pois chegar me emagrece! Chegar deixa muito de nós ao mesmo tempo em que absorvemos muito do lugar que aportamos. Podemos considerar um determinado lugar indesejável quando chegamos. Entrar em ônibus pouco cheio, por exemplo, tem gosto de vergonha… chegando eu conheci o enigma da chegada..No enigma da chegada está subentendido o enigma do conhecer outras pessoas, que também é bastante – no universo da redundância – enigmático. Conhecer pessoas tem o mesmo valor das pedras ou da água. Tanto pode ser pesado, rústico e desconfortável como também pode ser fluente, saudável, transparente e agradável. Mas como a própria nomenclatura sugere é um enigma. Eu confesso que tenho dessas indiferenças quanto a conhecer gente. Em contrapartida a cada nova pessoa que conheço sinto o sabor da vida respirando com intensidade em minha pele. Conhecer outros lugares, outros sabores, outros sentidos, tudo através de outra pessoa. Trocar informações e conhecer novas idéias paga o preço do enigma! No entanto nem sempre me satisfaço com pessoas que conheço. Conhecer gente nova emagrece!.E assim incidem outros “quatro mil infinitos” de enigmas, pra lembrar uma criança… que conheci dia desses.