Identidade

Pegou o envelope e rasgou na linha serrilhada, lentamente, sentindo o rompimento árido de cada ponto. Depois aproximou-o, aberto, de suas narinas e se deleitou no cheiro das notas virgens. Ficou respirando ali dentro por alguns segundos, levantou-se e saiu do banheiro. Quando chegou a seu posto, ordenando produtos na prateleira, foi estuprado pela ira verbal de sua supervisora que, minutos antes, havia visto sendo repreendida pelo dono da loja, um senhor semi calvo que…

passava por todos sempre com as mãos guardadas nos bolsos e nenhuma palavra. Especulava-se que era imigrante e tinha dezena de amantes. Ele mesmo pode ver, certa vez, o tal estacionando um desses carros importados em vaga exclusiva para portadores de necessidades especiais, só para desembarcar uma de suas damas com privilégio de acesso ao restaurante. Aturdido, terminou sua jornada com uma ideia fixa; chegou em casa, trocou de uniforme, amarrou a camiseta na cabeça, tapando o rosto, e foi Black Bloc, sem saber o que ser.

*Originalmente publicado na coluna “Conto… ou não conto?”, no jornal Taperá, em 02/11/2013.