Os festejos por acá estão chegando ao fim, porém ainda na conexão de letras importantes da blogosfera, para minha construção literária, busco prosa-quase-roteiro que encontrei sobrando na cinematográfica escrita de Isabella Kantek. Enquanto, “por pura loucura, sintonia ou necessidade”, o carioca Clóvis Struchel musica a vida em palavras rítmicas. Ambos com uma tremenda facilidade de prosear realidades.
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Coloco na roda: Isabella Kantek com Desmemorium e Clóvis Struchel em Poesias Crônicas
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A caixa de música
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A avó sabendo que estava para morrer em segredo pediu um pouco do perfume do bebê – primeiro neto – e embebeu um pedaço de pano.Todos os dias ela passava o lenço no rosto, cheirava e deixava os minutos dançarem feito bailarinas na sua frente.
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No meio da cama o corpo monocromático com as mãos sobre o seio.
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Com os dias, ela foi piorando e as bailarinas vestiam negro. A família encomendou uma cerimônia religiosa contra a vontade dela.
E então, sem que vissem, queimou o tecido guardando as cinzas numa caixa que mandou para mim – ela mais jovem.
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Durante o tempo em que sozinha no relento balançar.
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Isabella Kantek
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impulso
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inclino o meu corpo em direção a seus olhos, sedentos por uma vodka e um cigarro, reclamando do calor e do trânsito e da vida e da demora de tudo; inclino ainda mais o meu corpo, enquanto articulas sobre as notícias e o trabalho e o aluguel absurdo e o preço da gasolina; inclino o meu corpo em extensa demasia, enquanto comentas o filme em cartaz, o livro que lera, as piruetas do seu cão, a canção da novela; inclino intensamente o meu corpo, você indaga-se a respeito da política, da meteorologia, da gastronomia, da filosofia, dos seus dissabores; inclino plenamente o meu corpo num só impulso em direção a seus olhos, e desabo cruamente no chão.Você percebe-me inteiro, palpável, acessível, vulnerável; retraio com destreza o meu corpo acanhado, para que já não me vejas…
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