Na sessão de hemodiálise

O cheiro era de canjica em casa da vó. Fechou os olhos e se lembrou de perder as vistas no horizonte enquanto mascava o coco no doce. Lembrou-se de seu irmão murmurando: “Não coma! É sopa de dentes”. Agora seu tédio se vestia de três dias da semana a quatro horas por dia, e a lembrança das frequentes náuseas e vômitos tímidos que o levaram ao médico numa manhã nublada de um inverno mofado. Agora vencia a eritropoetina entrando em seu corpo. As sessões de hemodiálise retiravam…
substâncias indesejadas em excesso e, na volta, traziam sensações do estranho; como aquele exato momento em que viu entrar em sua primeira vez, tensa e pálida, Fátima, uma manicura loira de pernas grossas desejadas em todo o Jardim Tropical. Acalmá-la seria perfeito! Sentiu seu perfume por mais tempo que os habituais dois minutos na fila do açougue. Falou tanto que, depois sozinho em casa, irritou-se. Pensava em desculpas quando ouviu: “… Este número de telefone não existe”. Hoje são casados e têm quatro filhos.

*Originalmente publicado na coluna “conto… ou não conto?”, do jornal Taperá, em 10 de agosto de 2013.