No centro das coisas

Nunca tinha visto o jardim daquele jeito. À medida que o vento lateral tocava seu braço, fazia balançar as flores com suas cores deixando rastros no fundo verde do gramado. Sentiu-se parte daquele jardim. Era como se o vento revelasse a condição de serem um único corpo. Ficou ali, observando embasbacado e nem piscava. Virou a cabeça lentamente, contemplando o entorno, e se apercebeu centro das coisas. Nunca tinha visto a pressa das pessoas assassinando as flores. Eram olhares sempre abstraídos nos celulares ou num horizonte vazio. Esbarravam-se como se trombassem com postes, mas com isso ele já estava acostumado, desenvolvendo a desprezível resignação e entendendo que um pedido de desculpas fora suprimido, há muito, pela emergência de se chegar nalgum lugar. E agora ele via todos esses destinos ao mesmo tempo: as portas giratórias, as portas de vidro, as portas sanfonadas e os lugares sem portas. Percebeu que havia agora poucos lugares sem portas Nunca tinha visto tanta dor. Era cego.



*Originalmente publicado na coluna “conto… ou não conto?”, no jornal Taperá, em 14/12/2013.