O aborto do dragão morto

Vou de um vômito só. Espelhando um âmago contraste. Quero provar da arte descomprometida em começar algo sem final, refletindo ódio compassado e descomedido da minha língua áspera e austera. Vou de ônibus, pois a vida alheia e os desencontros casuais me interessam. Digo do andar rápido que tem abortado meus maiores devaneios: o assunto dos outros. Escrevo sobre meus maiores dissabores: os meus próprios assuntos.

Ontem dissipei um dragão vermelho e vadio que há muito bocejava em mim. Estou mais sujo agora. Estou com febre agora. Uso pouca roupa e, agora, a nudez entope minhas veias e enfumaça meu pulmão. Ando tão pobre que sou visto a poucos olhos e muito nariz.

Acabei por preferir culpar outras pessoas: “É, então, trata-se de algumas entidades que usavam meu corpo, mas já passou. Deitei em uma toalha branca e saí novo homem”. E, assim, culpando alguém que não sou, aproveito pra lembrar minha origem do despedaço e da indiferença. Aproveito pra recordar as horas que fiquei esperando, a tornozeleira que nunca ganhei, o porre fora de hora e outras várias “mancadas” que não consigo lembrar mais. Eu quero lembrar, mas não consigo! Acho que a quantidade excessiva impede lembrança.

Hoje, ouvindo jazz francês e mascando bolacha maizena, vou buscar em outros templos o ácido que desejo. Templos esses que não sou bem vindo. Templos de olhar reto, boca fechada, arcadas dentárias pressionando-se e uma ginga sensual. Uma ginga ora natural, ora forçada, mas duma beleza erótica. Porém, sempre devo lembrar que estou assim meio sem roupa. Pois bem, sociedade exige mesmo essas doses de “quem sou eu”. No entanto, nem sempre estão interessados em saber quem é você.

E aí, contrariando todas as orientações do horóscopo em meu signo, vou de um vômito só. Esperando as cascas do “pão lâmpada incandescente” que vão cair a qualquer custo. Vão cair quebrando alguns casulos e removendo outras impressões. Pois que ando, sim, preocupado com o que pensam sobre mim, uma vez que preciso dos outros na maioria do tempo: gosto de alimentar meus demônios apaixonados pela caridade.

Tudo bem, estou andando menos com as orelhas tapadas de música. Estou ouvindo mais. E isso também irrita! Detesto o casal sentado em bancos à minha frente, no ônibus, que desce no próximo ponto e fico sem saber o fim da história. Saco cheio de histórias sem fim! Quero a minha própria história cheia de assunto, inocência, ingenuidade, comprometimento, pureza, sapatos de bico fino – aqueles de bobo da côrte – e fim.