Os vidros esconderam a nitidez da paisagem seca lá fora. Escondiam o vento cortante, a queda suave das últimas folhas no solo e a música debochada do inverno. A lareira apagada e algumas revistas cheias de orelhas enfeitavam a sala de jantar, agora ecoando o som mórbido do par de chinelos que a levou para aquela janela onde, na canaleta, um último cigarro começado na noite anterior, agora pela metade, esperava o toque úmido dos seus lábios. Destra, levou os dedos suavemente e sentiu a maciez do filtro. Pressionou com tanta sensibilidade que…
foi possível perceber o tabaco atrigando seu futuro cinza. Já na boca, riscou um fósforo, acendeu e aspirou curtindo a fumaça varrendo sua laringe. Fumou com prazer e o descartou no ralo da pia. Como um ballet, a mão esquerda deslizava pela cintura e, penetrando a calcinha de renda, coçava sem propósito as nádegas e voltava. Virou-se sobre a ponta do pé esquerdo e saiu. Deu três passos, olhou para trás e o cigarro continuava lá, intacto na canaleta.
*Originalmente publicado na coluna “conto… ou não conto?”, do jornal Taperá, em 27 de julho de 2013.