Mesmo que o tempo vire ele não sairá de lá, agora. A idéia é respirar quase sem fôlego. Mesmo que o tempo feche. Os dedos, polegar e indicador, transpiram mais que qualquer outra parte do corpo. Transpiram um misto de medo e suco de laranja da rodoviária. Não sai por nada:
– Cala a boca, branquela! – esbraveja com agressividade a uma guria de pouca idade – Tenta nada não! Tenta nada não qui eu tô ficâno irritado com essa palhaçada!
Era ultimato sem valor, já que o fazia com tanta freqüência. Mas sempre que gritado, assustava sim.
Num canto superior direito uma câmera de segurança já era destroço, entre dois orifícios balísticos, um no teto e outro na parede mesmo. As bugigangas todas se desenhavam como uma selva o protegendo. Uma sombrinha pendurada, comprida e rosa bem forte, o incomoda espetando seu cotovelo vez ou outra, já que não podia se mover muito.
– Você não precisa fazer isso… pensa na sua família, garoto. Tem gente que…
– Caralho! Eu num queru cunversa. Sai fora! – Responde rápido interrompendo.
– Tem gente que te ama… pensa nisso, garoto.
Aquela ladainha toda irritava. Falar de amor era tão mais clichê quanto um poema. Tudo muito chato! Duma chatice colorida que corrompia a faringe alcançando o céu da boca com um amargo melancólico.
Ficava ali, mexendo só um dos pés, pensando noutro lugar. Enquanto ela, muda e pálida, pensava aquele lugar. Ele ficava ali, roçando suas coxas no ombro dela, sem desejo. Ela respirava úmido e lento, numa intensidade que irritava ele, que não podia mais enxergar o ponto de ônibus. Não se podia saber se seqüestrado estava ela, ou ele.
Mas, mesmo que a coisa fique feia ele não sairá. Não consegue mais ver os carros. Só o som deles, mais lento, dada a visita, rápida e sedenta, da imprensa. Só o som do freio do ônibus grunhindo seco e desajeitado. Agora não dava mais pra sair assim, sem nada. As chaves de casa lhe cadenciavam um samba no bolso todas as vezes que era preciso pulso firme. É preciso pulso pra essas coisas e, agora, já não dava mais mesmo pra ver a pelota de gente pendurada pelos vidros no ônibus das cinco e meia da tarde. É tarde.