Servidão

Era figura contínua no segundo plano das fotografias oficiais, sempre com o queixo inclinado para cima e o bigode tapando as narinas. Também esteve em todos os registros sociais daquela autoridade. O povo não sabia seu nome, tampouco sua relevância, mas era por ele, em verdade, que se passavam as grandes decisões e os maiores dilemas daquele condado pois, a qualquer sinal de turbulência na administração pública, era convocado para um uísque com duas pedras de gelo e horas ouvindo. Não dizia nada, mas ouvia de tudo. A oposição, sabendo disso, jogara-lhe no colo diversas mulheres a fim de furtar sua devoção. Sempre fora em vão. Era uma projeção frequente à sombra do governo. Esteve presente tanto na posse quanto no divórcio, meses após o fim do mandato. Certa vez, em ocasião fortuita e imprópria, quando perguntado sobre os bastidores do governo e como teria iniciado seu romance com a esposa do político, disse com um leve sorriso no canto esquerdo dos lábios: “Servia ao poder, não a ele”.



*Originalmente publicado na coluna “conto… ou não conto?”, no jornal Taperá, em 30/11/2013.