Uma sacolinha plástica, dessas de supermercado, era guardiã das décadas. Assaltada por um garoto avesso, rasga e espalha, sobre a calçada, uma vida inteira em meia dúzia de objetos aparentemente desconexos, além de duas dezenas de fotografias. Quais teriam sido os caminhos daquele maltrapilho? Perguntavam-se os homens barrigudos debruçados no balcão do quiosque, tomando suas cervejas e observando o pivete que virou a esquina gargalhando e deixou o pobre caído na soleira do conservatório, sem ajuda para levantar-se. Todos viram quando ele conseguiu se aprumar, juntando suas coisas, e uma lágrima lhe correu o rosto. O frio não lhe arrancava mais dor. Nem a própria dor lhe arrancava mais nada. Porém, seu único patrimônio mostrava as marcas do tempo e isso o tocou. Coisas que não saíam daquela sacola há meses, estavam se perdendo de sua própria cor. Uma das fotos estava, inclusive, irreconhecível. Juntou mais uma vez os seus trapos e decidiu voltar para casa, abastecer sua vida de memória.
*Originalmente publicado na coluna “conto… ou não conto?”, no jornal Taperá, em 07/12/2013