Firmou o pé direito no caibro, colocou a mão esquerda no bolso da calça e curtiu a ideia de olhar tudo por cima. Dali era fácil avisar a adúltera sobre seu marido, que cruzara o semáforo e estava chegando. Dali era possível ajudar os garotos de bicicletas cruzarem a avenida sem precisarem parar por segurança, perdendo a emoção da velocidade. Dali dava pra avisar o evangelista que, se apertasse os passos, conseguiria pegar…
a gorda em casa. Ele podia quase tudo de onde estava agora, mas foi destituído de seu poder imaginário pela imagem de um cão ferido, magro e manquitola, que perambulava na calçada lá embaixo sob aquele Sol escaldante, deixando uma trilha de sangue por onde passava. Ao mesmo tempo em que uma gota de sangue do desafortunado tocava a calçada, uma gota do seu suor ia de seu queixo a fazer poça. Quando o mestre da obra sinalizou o fim da bronca, voltou-se para os colegas zombando de sua desatenção, riu amarelo, olhou as horas e desceu para encher mais uma lata de concreto.
*Originalmente publicado na coluna “conto… ou não conto?”, do jornal Taperá, em 3 de agosto de 2013.