Um spoiler: você precisa ser inteligente.
A primeira coisa que precisa ficar clara: não existe “inteligência” artificial. Nenhuma assistente pessoal é exatamente inteligente. Ela só é mais organizada que você, mas, na essência, tal qual a provocação bíblica, ela será feita “à sua imagem e semelhança”.
E uma outra coisa que precisa ser dita é que machine learning e processamento de linguagem natural existem há mais de meio século. Há quanto tempo você usa o Google Maps ou Waze prevendo com precisão a hora em que você chegará em seu destino? Quem você acha que desvia emails indesejados para a sua caixa de spam? E a visão computacional que desbloqueia seu celular “vendo” o seu rosto; como acha que funciona?
Isso é importante ficar transparente para entender o paradoxo dessa nova skin da Inteligência Artificial que veio com o chatGPT. E escolhi escrever sobre o tema porque estou vendo profissionais deixando o diálogo com uma assistente pessoal para depois, como se fosse algo comum na paisagem. Para mim, essa normalização patrocinada pelo seu próprio hype no mainstream, vai prejudicar o desenvolvimento profissional desta geração economicamente produtiva.
Ignorar a capacidade “criativa” do chatGPT e do Gemini é um erro fatal. Ambos farão de tudo para te agradar, inclusive fornecendo exemplos ficcionais, distorcendo realidades e até criando eventos históricos que não existiram, afinal eles não são “inteligentes”. Respondem o que você pergunta, logo, se o seu prompt for sugestivo, a resposta potencialmente corresponderá, principalmente em temas mais específicos, nichados e especialista. Mas calma se você não está entendendo nada…
Você só descobrirá isso, e calibrará a sua assistente virtual, se usar com frequência e tiver um bom conhecimento geral e um mínimo de discernimento intelectual sobre o tema que está explorando. Para mim, por exemplo, até referência bibliográfica o chatGPT já criou, com título de obra que não existe e uma autora que ainda não nasceu.
O ‘xaveco’ do Século XXI é o Prompt; Um Paradoxo da Interação Intencional
Quando você precisa ir a um lugar que não conhece, abre o Google Maps ou Waze, insere o destino e vai. Só vai. Se você não souber escrever e estiver ouvindo este artigo, por exemplo, é só falar o destino aí no seu aplicativo que ele te ajudará a chegar lá.
Mas quando você precisa de um assistente de cocriação com linguagem natural, a conversa entra em cena. E é na conversa que você vai construir os melhores resultados, tal qual o “xaveco” que existia nos anos 90. Ou seja, se a sua conversa com seu assistente pessoal for boa, o resultado será bom. Essa “conversa”, quando você pede alguma imagem para o DALL-E, por exemplo, tem o nome de “prompt”.
Você sabe conversar? Como está sua capacidade cognitiva de argumentação? E o raciocínio lógico exercitado lá nas aulas de álgebra que você achava inúteis na sua adolescência, como está?
A interação criativa exige habilidades para formular perguntas ou dar instruções com profundidade e clareza, pois o resultado depende muito da estrutura dessa conversa. Por isso, também, são conhecidas como ferramentas conversacionais.
Resumindo: você precisa ser naturalmente inteligente, enquanto do outro lado tem uma máquina artificialmente disponível.
De Novo Isso? Papo Chato N⁰ 9.472
Você se lembra a primeira vez que viu um mendigo ou um morador de rua em estado deplorável? E quando o avião da Voepass caiu, lembra-se daquele amargo no fim da tarde? E o empresário que delatou o PCC e foi assassinado na calçada do aeroporto de Congonhas, então?
Essa sensação ao encontrar um evento inédito e estrangeiro tem o nome de “startle response” ou “resposta de alarme”, amplamente explorado na psicologia e neurociência. Ele descreve a reação automática e reflexiva que ocorre quando o cérebro humano é confrontado com um estímulo inesperado e potencialmente ameaçador. Estudos como os de Michael Davis exploram como a amígdala, a região do cérebro ligada ao medo, ativa essa resposta para proteger o organismo. No entanto, com o tempo, esse impacto inicial diminui à medida que você se acostuma com os eventos e os transforma em parte da paisagem cotidiana.
Pois bem, nos últimos anos, a Inteligência Artificial tornou-se um dos temas mais discutidos nas mídias e redes sociais. Como você reagiu quando conversou a primeira vez com o chatGPT?
Já passou, né? A quantidade de especulações sobre o impacto da IA na economia e nos empregos cria uma sensação alarmista na mesma dose do fim do mundo; todo o mundo sabe que vai acontecer, mas ninguém para de comer carne, cortar árvores ou incendiar florestas. Ninguém liga. Tal qual as muitas cenas que, com o tempo, são “invisibilizadas” nas cidades, como um mendigo ou um morador de rua em estado deplorável.
A onipresença das tecnologias de IA e as narrativas repetitivas de que “a IA irá substituir empregos” acabaram promovendo uma “imunidade” ao tema. Há um efeito de familiaridade que faz com que a IA não seja mais vista como uma oportunidade ou uma ameaça iminente.
O ponto irônico da “revolução barulhenta” é que a IA já não é uma tecnologia do futuro; ela está moldando o mercado de trabalho em tempo real. Mas ao transformarmos o tema da IA em uma verdadeira cacofonia digital, contribuímos para essa dessensibilização. A quantidade avassaladora de artigos – como este inútil que estou escrevendo, além de discussões e previsões apocalípticas ou futurísticas, cria uma “normalização” por saturação. Assim como ocorre com outras questões sociais massivamente discutidas, o exagero acaba provocando apatia, ou até mesmo cinismo.
Ou seja, paradoxalmente, enquanto a IA ocupa tanto espaço nos telejornais e nos palcos de eventos cheios de pseudoespecialistas e futurólogos, as pessoas foram normalizando a tecnologia organicamente, como se fosse mais um ruído de fundo na paisagem do cotidiano.
Mas deixa eu te avisar pela 9.472ª vez:
Você perderá seu emprego amanhã, caso não aprenda a “conversar” o mais rápido possível com a IA.
Migrando Para o Centro da Revolução Barulhenta
Se você quer se manter relevante na sociedade precisará romper essa apatia e reconhecer a necessidade de dominar a IA. O verdadeiro desafio da revolução digital não é aprender a usá-la, mas sim evitar o vírus da normalização e apatia.
Agora é a vez da IA, que já é, de forma imersiva, a própria apostila; você só precisa começar a usá-la.
Em vez de sucumbir ao fenômeno da normalização, comece a interagir diariamente com o chatGPT. Isso vai te ajudar a entender como ele funciona, seu potencial e suas limitações. Daqui a pouco você estará voando!
A ignorância voluntária em relação à tecnologia é uma escolha perigosa, mas pode ser revertida através da educação e da conscientização.
Eu fiz a minha parte aqui… neste artigo.
Referências Bibliográficas
- Davis, M. (1984). The mammalian startle response. In R. C. Eaton (Ed.), Neural Mechanisms of Startle Behavior (pp. 287-351). Boston: Springer.
- Davis, M. (1988). Anxiety and the amygdala: Pharmacological and anatomical analysis of the fear-potentiated startle paradigm. In J. S. Geyer & G. R. Bock (Eds.), Fear and Defense (pp. 225-241). Ciba Foundation Symposium 171.
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