O Erro de Travis Scott Que Matou 10 Pessoas e Você Pode Estar Repetindo

O que matou aquelas pessoas no festival Astroworld do Travis Scott não foi a multidão. Foi a ignorância disfarçada de autoconfiança e essa cultura DIY que nasce dentro de casa.

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Um dos meus principais aprendizados fazendo faculdade de Eventos foi sobre comportamento. O gatilho foi imediato, vendo agora o episódio Astroworld, da série Desastre Total, na Netflix, que conta a história da criminosa idealização e produção do festival realizado por Travis Scott em Houston, Texas, em 2021.

Aquilo foi criminoso, estúpido e inconsequente. Talvez até com um tempero de arrogância, prepotência e DIY. Isso mesmo, aquela cultura do “faça você mesmo” que conhecemos bem e cultuamos o tempo todo. E esse tempero está presente em muitas receitas da nossa vida; vai desde a tia que organiza as festas da família, passa pelo amigo que planeja o churrasco da galera e chega ao empresário que acha tudo uma bobagem e pede para a recepcionista cuidar da confraternização de fim de ano da empresa.

Com pouco esforço de memória, você vai lembrar de ter vivido ou protagonizado algo parecido.

 

O perigo é que esse comportamento gestado socialmente dentro dos núcleos familiares vai evoluindo, e ecoa em ambientes profissionais nos quais as “vítimas do brigadeiro enrolado sem luvas” não são só a família da tia “criminosa” mas pessoas que pagaram ingressos, estão cheias de sonhos e são completas desconhecidas, com suas complexas subjetividades.

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O festival Astroworld, do Travis Scott, foi um tumor dessa mentalidade. Resultado direto da combinação entre idolatria cega e desprezo por processos técnicos. Foram 10 mortos. Milhares de feridos.

Agora veja algumas curiosidades desconfortáveis:

  • A Live Nation Entertainment, responsável por festivais como Rock in Rio, The Town e Lollapalooza, além de shows como os da Dua Lipa (Agendados para novembro no Brasil), era a marca na coordenação e execução do Astroworld.
  • Travis Scott está confirmado como headliner do The Town 2025, com única apresentação marcada para 6 de setembro. O The Town é um evento da Live Nation.
  • A mesma Live Nation está construindo uma arena para 20 mil pessoas em São Paulo, no complexo Cidade Center Norte, com previsão de início das obras também para setembro.

 

A Live Nation e Travis Scott gerenciam até hoje processos relacionados ao evento, fizeram acordos insignificantes perto da lucratividade que fabricam, e seguem para o esquecimento relacionado ao caso agraciados com a adoração de fãs que só se multiplicam.

Mas o papo aqui é outro. A gente vai conversar sobre como você pode cometer os mesmos erros que levaram à tragédia em Houston, talvez em escala menor… porém replicando a essência.

Você Deve Estar Cometendo os Mesmos Erros

Sabe quando você não respeita profissionais que estudaram durante anos um determinado tema e vivem em constante atualização sobre comportamento e mercado, por exemplo? Aí você erra como a Live Nation em 2021.

Sabe quando você vai ao ChatGPT, faz uma pergunta medíocre e acha que não precisa de mais nada? Aí você falha como Travis Scott no Texas.

O conhecimento e a expertise são produtos do tempo, da maturação, e envolvem múltiplas camadas de hard skills e soft skills. Por isso, o futuro será das pessoas generalistas conscientes de suas limitações e sensíveis às necessidades estratégicas. Você será especialista em um ou dois temas, generalista em outra dezena, e terá um mindset apurado para identificar e respeitar o know-how de outras pessoas com as quais construirá seu ecossistema.

Para se ter ideia, o festival Astroworld não contratou especialistas em segurança de grandes multidões antes do evento, por exemplo. No documentário, inclusive, é angustiante ver o depoimento de um dos seguranças do fatídico dia: amigo de um outro já contratado, ele foi recrutado por mensagem de texto, no dia anterior, então lhe deram um colete na van a caminho do local de trabalho e foi isso. Sem nenhum critério. Sem nenhum treinamento. Sem nenhum briefing.

O principal problema do Astroworld começou logo na idealização. Tiveram a “brilhante” ideia de fazer um evento com dois palcos, em que todo o line-up estaria em um único palco e o headliner, Travis Scott, encerraria com show em outro palco. Ou seja, assim que acabou a programação do palco 1, todas as pessoas, ao mesmo tempo, foram ao palco 2.

Bom, de repente, caso você seja generalista com especialidade em outras áreas e não em comportamento, pode ser que não veja problema nisso. E está tudo bem! Afinal, como conversamos, você é especialista em uma ou duas áreas no máximo.

Tudo bem. Então qual é o problema tão “óbvio” para uma empresa de eventos, que a Live Nation não identificou?

Óbvio, Mas Nem Tanto

É que quando se chega a um evento antes do show começar, no espaço-tempo em que espera seu ídolo ou sua diva entrar no palco, você vai “conquistando” seu território, ou seja, vai fincando seus pés ali e ocupando aquele perímetro.

E isso, além de social, é ancestral. Somos territorialistas desde a domesticação do trigo, quando passamos a depender da terra e a defender o lugar. Isso alterou expressivamente a forma como pensamos, tal qual a inteligência artificial fará agora novamente conosco. (HARARI, 2014)

No contexto de comportamento coletivo, essa territorialidade é um elemento fundamental para o controle de multidões. O pânico coletivo é um colapso da coesão da massa na mesma medida que é seu controle e, quando não há organização simbólica ou espacial que distribua os corpos e os desejos, o impulso coletivo entra em curto-circuito. A massa exige proximidade, mas entra em desordem quando comprimida além do limite da percepção de controle. (CANETTI, 1960)

Na prática, é como tentar empurrar um vaso de planta. Se houver apenas um, você consegue. Mas se atrás dele houver outros, e todos estiverem encostados, justapostos, comprimidos no mesmo plano, nenhum deles cede. Nenhum pode recuar. A massa vira obstáculo de si mesma.

Em um evento, assim como você conquistou o seu espaço esperando horas para ver aquela atração, outras pessoas também fizeram o mesmo, por isso não há gargalo, pessoas espremidas, etc.. Em alguns casos, como no show da Lady Gaga em Copacabana, por exemplo, foram dias de manutenção dos micro-territórios de fãs que viajaram de toda a parte do mundo para o espetáculo. Ninguém conseguiria movimentá-los como aconteceu no sufocamento coletivo do Astroworld.

É por isso, também, que festivais que atraem multidões fazem mais do que um palco com atrações simultâneas ou quase simultâneas; e quando você chega depois, a probabilidade de conseguir “colar na grade” é perto de zero.

Mas a Live Nation e o Travis Scott não fizeram o óbvio para quem trabalha com comportamento e administra multidões como modelo de negócio. O resultado foi milhares de pessoas indo para o mesmo local, ao mesmo tempo, sem freio, sem controle, sem referencial visual, e espremidas até o colapso.

Em um curso de graduação de Eventos você pode ter aulas de mise en place, cerimonial, etiqueta, gastronomia, logística, legislação e oratória. Mas, a essência da profissão que comercializa sonhos e manipula o espectro hedônico das pessoas, é entender “comportamento”.

Respeite especialistas.

Alex Pinheiro

Alex Pinheiro é artista, apresentador, e profissional para inteligência de mercado e presença de marca.
É pós-graduado em Digital Business (USP), graduado em Eventos no Centro Universitário N. Sra do Patrocínio, e Técnico em Turismo pelo Centro Paula Souza.
Atua com mentoria estratégica, gestão de tráfego na internet e arquitetura de negócios.

Referências

Harari, Y. N. (2014). Sapiens: Uma breve história da humanidade. L&PM Editores.
Canetti, E. (1960). Massa e Poder. Companhia das Letras.